sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Reminds me something...


A minha barriga tem crescido. É uma coisa que mete nojo e que sinto baloiçar. Sempre fui magro, quase esquelético, na escola chamavam-me lingrinhas, fio de azeite, meia dose, palito, e agora, de repente, isto. Esta coisa à volta da cintura. É como se não me pertencesse, um bocado de corpo que se agarrou ao meu verdadeiro corpo. Lutamos todos os dias, em frente ao espelho, eu e a bóia. Aperto a carne e sinto que estou a perder a batalha. Aquilo está a crescer, a ganhar proporções de frigorífico, de máquina pesada. Olho para esse excesso, para esse abcesso, e não consigo compreender como é que ele insiste em existir, já que não traz vantagens biológicas a nenhum dos dois, nem a mim, nem a ele. Uma dieta seria ideal, mas odeio dietas. A ideia de comer vegetais transtorna-me. Deveria ter tido melhores pais, com um código genético mais favorável à estética, ter nascido um daqueles «como-mas-não-engordo».
(...)
 Abri a porta do frigorífico e tirei uma fatia de queijo. Começo a dieta amanhã, ou talvez vá correr à beira-rio, compro uns ténis, umas calças de algodão, ponho os óculos escuros e arranjo uma lista de músicas jeitosas para ouvir enquanto esmago a gordura. E, quando chegar a casa, encho-me de bróculos. Sim, amanhã penso nisso.

 
Livro Flores, de Afonso Cruz

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